Artigo: Às quarenta horas de Angicos


Por Valmir Crispim Santos, 


avisto 2014 no horizonte, e me deparo com uma dívida que me perseguiu por todo
esse ano. Não poderia encerrar 2013 sem antes prestar minha homenagem ao
Professor Paulo Freire, pelos cinquenta anos do marco de sua pedagogia. Estou
falando da experiência de Angicos, sertão do Estado do Rio Grande do Norte, em
que um grupo de 300 camponeses foram alfabetizados em apenas quarenta horas
aulas, utilizando uma metodologia reconhecida internacionalmente.

As
quarenta horas de Angicos representam para a educação a crença de que é
possível uma prática pedagógica que considere os saberes e fazeres dos
educandos nas ações educacionais. “Educar sem invasão cultural com respeito aos
saberes era a base do método de Paulo Freire”. 

Seu método continua válido,
principalmente quando o modelo de educação praticado no país reproduz um
sistema hegemônico e excludente que não respeita os saberes e a cultura
popular. 

Segundo ele era necessário “alfabetizar e politizar”, algo muito
distante da realidade das escolas brasileiras. “Ser educador para ser
substantivamente político, dizia ele”. 

Sua obra não se limita a esses campos,
tendo eventualmente alcance mais amplo, pelo menos para a tradição de educação
marxista, que incorpora o conceito básico de que não existe educação neutra.
Segundo a visão de Freire, todo ato de educação é um ato político.

Seu
método apresentado em 1959 e consolidado na cidade de Angicos em 1963, foi
considerado perigoso pelos militares que roubaram o governo em 1964. As iniciativas
de educação através dos Centros Populares
foram extintas e seu idealizador preso acusado de “subversivo e ignorante”. 

Um fato ocorrido na prisão em Recife
chama atenção para os devaneios dos militares: o comandante do quartel
solicitou a ele que alfabetizasse alguns recrutas analfabetos, o qual ele
respondeu de pronto: “estou preso por querer alfabetizar a gente simples do
sertão”. 

Paulo Freire foi expulso do país em setembro de 1964, exilando-se no
Chile, de onde se tornou cidadão do mundo.
Suas
experiências em alfabetização foram colocadas a serviço de diversos países da
América Latina e África, locais onde encontrou espaço e o reconhecimento não
alcançado no Brasil. 

Em terras tupiniquins, seu método foi considerado “nazista”
pelo Jornal “O Estado de São Paulo”, num editorial de 21 de dezembro de 1963,
ao passo que o Governo Militar o considerou a “expressão do comunismo na alfabetização de jovens e adultos”,
decidindo pela sua expulsão do país.

Coube
ao governo militar a iniciativa de desenvolver experiências de alfabetização em
massa nas regiões carente do país. 

O Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)
instituído em 1967 é cria desse tempo. A prática concreta do que chamamos de
educação popular mudou de um trabalho político junto ao povo, através da
alfabetização, para um trabalho político com o povo, “sem alfabetização”.
Invertendo o método e o sonho de Paulo Freire.

Paulo
Freire foi anistiado e voltou ao Brasil em 1979, tendo ocupado o cargo de Secretário
de Educação da Prefeitura de São Paulo no mandato de Luiza Erundina. Em 2012, o
governo brasileiro o reconheceu como Patrono da Educação Brasileira, ao passo
que em homenagem aos 50 anos das quarenta horas de Angicos, lançou Pacto
Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, envolvendo União, Estados e
Municípios. 

Erradicar o analfabetismo no Brasil talvez seja a homenagem mais
importante a ser feita aos 50 anos de Angicos.
Por
ironia, o Brasil conta em 2013 segundo o IBGE, com cerca de 20 milhões de analfabetos,
o mesmo número levantado pela equipe de Paulo Freire em 1963, em estudos para a
formulação do Plano Nacional de Alfabetização, que o golpe militar impediu que
fosse implantado no país.

Seu
método (que ele não considerava método,
mas apenas uma prática pedagógica com metodologia pautada no amor e no respeito
aos saberes
), é reconhecido internacionalmente como uma prática de
alfabetização libertadora, sendo muito estudada e empregado principalmente nos
países do continente africano. 

No Brasil ainda carece de reconhecimento
principalmente nos cursos de licenciatura, haja vista as dificuldades impostas
à formação de professores atualmente. Ademais, tivemos poucos avanços em
metodologias e práticas educacionais desde a década de 1960. As experiências de
Angicos não podem ser esquecidas, pois o desafio colocado ao Professor Paulo
Freire a época continua atual e presente nos sertões e nos centros urbanos
Brasil afora.

Paulo
Freire faleceu em maio de 1997, deixando uma vasta e importante obra em que
trata sobretudo da educação como instrumento de “libertação e autonomia
política”. Por essas e outras seus livros são leituras obrigatórias nos cursos
de licenciaturas (assim penso), pois
na formação de Professores essas práticas são indispensáveis. Infelizmente seus
ensinamentos nunca ocuparam lugar de destaque na política educacional
brasileira, diferente do que ocorre em outros países latinos e africanos.

Fica
minha simples homenagem e reconhecimento ao grande Professor e intelectual
brasileiro que o mundo reconheceu antes do Brasil!

VALMIR “CRISPIM” SANTOS
Geógrafo e Mestrando em Geografia

Universidade Federal de Goiás.

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