Texto Sensacional: “Um vexame para a eternidade”
O jornalista João Valadares, do Jornal Correio Brazilense, é um daqueles caras que nos dá muito orgulho. Colega de faculdade e de profissão, Valadares foi o autor texto, capa do jornal, que teve hoje repercusão no mundo inteiro.
O texto é daquelas obras primas que merece ser lida e relida.
Hoje pela manhã tive medo de pegar no jornal, receoso de ler o dia seguinte pós desastre planetário.
Mas seu texto foi um consolo e uma prova material de que acabamos de entrar para a história. João, estou muito orgulhoso de você, cabra.
Leia a íntegra da crônica, capa do Correio Braziliense desta quarta-feira:
“Um vexame para a eternidade”
Há quem diga que o futebol explica a vida. Eu sou um deles. E, se você concorda comigo, terá que admitir que ontem morremos. E não foi morte morrida. Foi morte matada mesmo, meu caro João Cabral de Melo Neto. De tão dolorida que não se entende.
Não morremos para sempre, é verdade, mas morremos. Aquela morte que ataca até gente não nascida, poeta. Quem nascer hoje, amanhã, depois e por muito tempo, no Brasil, vai carregar nas costas o cadáver do Mineirão. Não há como fugir.
O país que sempre respirou futebol encontrou ar por apenas 10 minutos. Perdemos até aquele oxigênio da indignação. Roubaram-nos até a força para cobrar alguma coisa. Não é fácil atropelar um país do tamanho do Brasil no futebol. Mas, ontem, morremos sete vezes.
Nem um desfibrilador gigante, do tamanho da nossa vergonha, traria o nosso país de volta ao jogo. Mesmo nós, todos os que acreditávamos, também não voltamos. Ficamos por ali sem entender que aquilo era um esporte chamado futebol. O que vimos foi outra coisa.
Coloquem nos livros sobre futebol mundial que, em 8 de julho de 2014, o Brasil assistiu à maior aula de bola do planeta. O que se viu ou ouviu após o primeiro gol alemão é para o silêncio ensurdecedor de 1950 virar barulhinho bom.
O Maracanazo, agora, é derrota menor. Barbosa, o goleiro que carregou o peso de uma cruz de sofrimento até a morte, se estivesse vivo, poderia sentir que a cruz que Julio Cesar vai carregar até o fim da vida é muito mais pesada.
Quem diria, grande Nelson Rodrigues. Você tem razão. Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola. Mas nem isso conseguimos enxergar. Quando abrimos os olhos, estava escrito: 7×1. É conta de mentiroso. Sim.
O que ocorreu ontem não pode ser verdade. Mas é. Um país inteiro tonto, zonzo numa roda de bobo, que nos levava sempre ao inferno. E o inferno não eram os outros. O inferno somos nós. Só ontem o visitamos sete vezes. E por lá vamos permanecer por muito tempo.
Nunca vimos numa Copa a bola ultrapassar tantas vezes aquela linha branca que separa, da maneira mais simples do mundo, alegria e tristeza.
É, meu caro amigo Afonsinho: A perfeição é uma meta / Defendida pelo goleiro / Que joga na Seleção / E eu não sou Pelé nem nada / Se muito for, eu sou Tostão. Você precisava estar vivo, grande Armando Nogueira, para saber que ontem aprendemos o que é uma derrota de verdade.
Se é verdade que Deus só frequenta as igrejas vazias, Nelson Rodrigues, podemos dizer que ele também não gosta de estádio cheio. Não foi a maior derrota do futebol brasileiro. Assistimos incrédulos à maior derrota do esporte brasileiro. Apenas porque, ontem, o futebol no Brasil foi reescrito. E não adianta. Foi reescrito por uma caneta com tinta alemã.
Peço desculpas a Goethe, o maior símbolo da literatura alemã, mas todo brasileiro aprendeu o que é poesia e prosa ontem pelos pés de Müller, Klose, Kroos, Khedira e Schürrle.
Ontem, ouvi um porteiro de um prédio da Asa Norte dizer: Esta é a pior Seleção de todos os tempos.
O menino que passava de mãos dadas com o pai escutou e respondeu: Eu só vi esta Seleção jogar, mas concordo. São 100 anos de história. Nunca caímos assim. Vamos ler uma centena de motivos para explicar o que ocorreu. Todo mundo terá razão. Mas um profeta que se preza não enxergaria uma tragédia desse tamanho para quem veste as cores verde e amarela.