Alto Paraíso (GO): Aberta a 9ª Aldeia Multiétnica, que aborda reflexões e faz festa



Por Ana Ferrareze, 


Na tarde deste sábado (18) aconteceu a abertura oficial da IX Aldeia Multiétnica, em Alto Paraíso de Goiás, no nordeste do estado. 


O encontro começou com a inauguração da 1ª Tenda Literária Indígena, um novo espaço de troca, onde acontecerão rodas de prosa durante todo o encontro, de manhã e à tarde, e projeção de filmes, seguidos de debates, ao entardecer. 


O local também conta com uma biblioteca com rico material sobre questões indígenas e quilombolas. Para marcar a abertura, três convidados de peso deram a largada: Creusa Krahô, Lucas Machineri e Daniel Munduruku, grandes representantes da cultura indígena.


O prefeito Krahô, Cuhkõ, abriu a discussão dando boas vindas aos visitantes e afirmando que “a língua é diferente, mas somos todos iguais”. Em seguida, a professora Creusa Krahô, a primeira Krahô a fazer mestrado, contou sobre seus estudos na Universidade de Brasília e a luta pelas questões indígenas. 


Em suas viagens pelo Brasil, descobriu um país que o ser humano está destruindo. Tanto a cultura quanto a natureza de povos como os indígenas e os quilombolas é afetada.


 “Destroem as florestas, cortam as árvores medicinais para dar lugar a imensas plantações, como soja e eucalipto. Alguém já se curou com soja?”, provoca. “Não somos apenas nós, indígenas, que sofremos. Todos nós vamos sofrer no futuro”.


A demarcação das terras indígenas norteou toda a conversa. Creusa diz que entrou na universidade para saber ainda mais sobre como ajudar seu povo nessa discussão. “Não serei jovem para sempre para lutar. 


Quando me tornar anciã, poderei apenas ensinar sobre como conviver com o homem branco”, alerta. “Por isso, incentivo os jovens a estudar e a entrar na universidade. Na Funai, por exemplo, deveríamos ter mais indígenas resolvendo nossos problemas, não homens brancos”.


O segundo convidado, Lucas Machineri, da etnia Machineri, do Acre, também é mestrando na Universidade de Brasília e frisou em seu discurso a importância da demarcação das terras. “Invadiram nossa casa e agora não querem ceder um espaço para vivermos nossos costumes”, falou. 


“No Acre, o problema é o governador não reconhecer nossos direitos. Queremos apenas ter nosso território, uma vida saudável, com nosso conhecimento e a articulação de uma política própria”.


Para encerrar a mesa, o historiador Daniel Manduruku começou dizendo que ali naquele encontro não enxergava índios e não-índios. “Em lugares como esse não existem os curiosos que chegam para nos olhar como exóticos. 


Estou vendo um monte de parentes”, disse. “Todos filhos da mesma terra, irmãos de sangue. Não são para vocês que preciso falar sobre os nossos problemas”.


Para ele, é preciso fortalecer nossa memória. Relembrar justamente que somos irmãos. Porque na sociedade atual, da velocidade, da internet, da imagem, as lembranças são passageiras. 


Começamos a esquecer que somos filhos desta terra. E quando esquecemos, começamos a achar que somos donos de alguma coisa. 


“Nesta Aldeia, não vamos tratar o outro como exótico, chamar sua arte de artesanato, dizer que sua dança não faz sentido”, diz. “Vocês entraram em um portal. Muitas coisas só farão sentido enquanto estiverem aqui dentro. Mas não é hora de explicar, é hora de sentir”.


Momento de sentir


Durante a roda de prosa, três etnias indígenas criaram belas pausas, cantando e dançando desde o grande pátio central da Aldeia em direção à Tenda. Os Mebêngôkre (Kaiapós), do Pará e do Mato Grosso, os Krahô, de Tocantins, e os Xavantes, do Alto Xingu, entraram intercalados, enchendo o espaço de cor, calor e energia.


As danças e cantorias continuaram no pátio depois da roda de prosa. Um espetáculo. 


As oito etnias indígenas que confraternizarão durante o Encontro se reuniram para mostrar a beleza de parte de sua cultura. As batidas ritmadas dos pés faziam a poeira da terra subir e os corações baterem forte em volta da fogueira central. 


Além dos Mebêngôkre, dos Krahô e dos Xavantes, se apresentaram os Fulni-ô (Pernambuco), os Kamaiurá (Xingu), os Kariri-Xocó (Alagoas), os Trucá (Bahia e Pernambuco) e os Ywalapiti (Mato Grosso). Uma profusão de trajes, cortes de cabelo, idiomas, ritmos e estilos.


O idealizador do Encontro de Culturas Tradicionais, Juliano Basso, chamou o representante de cada etnia para falar após as apresentações. A cacique dos Ywalapiti sintetizou o recado dado por todos: 


“Essa festa não é só dança e divertimento. É um grande trabalho que envolve espíritos e energias positivas para todos nós”.


Tudo o que havia ali era sentimento. E um agradecimento pela oportunidade de vivenciar um momento único de partilha cultural e social. Se todos os povos se respeitassem como os indígenas, vivendo como irmãos, o mundo seria muito diferente. Temos muito o que lembrar e sentir.

Texto e Fotos:  Encontro de Culturas de Povos Tradicionais da Chapada

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