MinC e Ministério das Comunicações discutem inclusão digital no Brasil

Por Ana Ferrareze,
São Jorge recebeu uma antena Gsat nos últimos dias para melhorar a conexão durante o XV Encontro de Culturas Tradicionais e a IX Aldeia Multiétnica, quando a demanda pela internet dobra.
Neste sábado, 25 de julho, o Secretário de Inclusão Digital do Ministério das Comunicações, Jefferson D’Ávila, veio até a vila justamente para participar de uma roda de prosa sobre acervos digitais e povos tradicionais e comunicou que a antena fica.
Junto com a notícia veio a discussão sobre inclusão digital, tema crítico no governo nos últimos 12 anos.
“Estamos reiniciando todo o processo, substituindo o modelo adotado todo esse tempo, que não estabelecia um diálogo com as comunidades”, explica o Secretário.
“O governo pensou que inclusão digital fosse apenas instalar antenas de internet. Agora, vamos ouvir as pessoas e entender o que efetivamente acontece e o que precisa ser feito”.
O coordenador geral de acervos digitais do MinC, José Murilo, também participou da roda. Ele apresentou a proposta do Ministério para conectar a tecnologia com a cultura tradicional.
O objetivo é pensar em soluções para uma política nacional de criação e preservação de acervos digitais, que devem ser integrados em um sistema único.
“Dependemos muito de serviços de busca internacional, como Google e Bing, que conferem uma falsa impressão de integração. A Universidade Federal de Goiás está desenvolvendo uma plataforma para que um sistema brasileiro dê conta sozinho, assim o acesso e o desenvolvimento será muito mais simples”, conta ele.
A partir de agora, o processo de digitalização será feito em contato com representantes das culturas tradicionais. Escolheram a plataforma WordPress, mais fácil de ser utilizada por quem não está acostumado com computadores e internet. Hoje, 30% do conteúdo online está nela.
As redes sociais também serão exploradas. “Coisas simples podem mudar muito as comunidades. Estamos prontos para começar um desenvolvimento de políticas públicas e o MinC tem a missão importante de conectar”, disse Juliano Basso, idealizador do Encontro de Culturas, que mediou a roda.
Jefferson D’Ávila comunicou que os próximos 30 dias serão voltados ao diagnóstico de todos os pontos de inclusão digital do Brasil, o que ainda não foi feito. Os telecentros, pontos de cultura e rádios comunitárias, por exemplo, não estão catalogados. É preciso recuperar essas bases e reconstruí-las.
“Não vamos mais enviar máquinas para todos os lugares e não criar uma interação. Precisamos que elas passem a funcionar em rede, com qualificação profissional e uma forte plataforma de conteúdo”, avisa. “Temos dois movimentos políticos: um para que as ideias aconteçam e outro para que não. Vamos ganhar essa chave de braço”.
Na prática, do lado de quem vive
O professor da Unirio e Coordenador do Nepaa (Núcleo de Estudos das Performances Afro-Ameríndias), Zeca Ligiero, entrou na roda para apontar uma questão importante: no universo das culturas tradicionais as tradições orais são tão importantes quanto as escritas.
As universidades, baseadas em um modelo europeu, não aceitam isso, o que representa um grande problema. “Também temos documentos e patrimônio material, mas é importante discutir no programa como podemos fazer para criar e preservar essa documentação oral”, fala o professor.
Segundo ele, além de preservar é necessário difundir. “Os jovens brasileiros não sabem nada sobre culturas tradicionais, indígenas e quilombolas. Mas aprendem tudo sobre Revolução Francesa na escola”, desabafa. “Isso é uma loucura. Não conhecemos quem somos”.
A pesquisadora Carla Águas, do INCTI (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão), completou dizendo que pensamos muito em manifestações culturais, mas esquecemos que a cultura traz muitos outros conhecimentos. “Existe um manancial de saberes invisíveis.
Como quando um senhor diz ‘hoje vai chover’ e chove”. Ela conta a história de um estudante de matemática, morador da comunidade quilombola Conceição das Crioulas, em Salgueiro, Pernambuco.
Ele escolheu o curso por conta de seu avô, grande construtor de cercas da região, famosas por serem feitas com ripas entrecruzadas. Para construí-las é preciso calcular mentalmente quantas ripas finas e grossas são necessárias para determinados terrenos.
O neto aprendeu e agora quer unir os conhecimentos familiares com os conquistados na universidade, a fim de se tornar professor na comunidade.
Por isso mesmo, Carla está à frente do Encontro de Saberes, projeto financiado pelo MinC, que desde 2010 busca transformar grandes mestres de comunidades tradicionais em professores do Ensino Superior. “Quando você abre a porta, a comunidade reage”.
José Murilo encerrou a conversa dizendo que o MinC se encaixa em muitos dos pontos discutidos. Fez uma chamada ao público, convidando iniciativas articuladas a se manifestarem a fim de fazerem parte do conteúdo dos acervos.
“E o que é acervo? Além de tudo, podemos reinventar essa palavra para englobar todas as culturas do Brasil”, finaliza.
Fonte: Encontro de Culturas da Chapada dos Veadeiros