História e cultura: Frederico Pernambucano de Mello e a estética do Cangaço
Poucas pessoas e estudiosos no Brasil conhecem tão bem a história do Cangaço, como o historiador Frederico Pernambucano de Melo.
Para quem se importa com cultura e historiografia brasileira, uma parada obrigatória é mergulhar-se no Cangaço, um movimento, uma luta revolucionária, em que os homens do grupo vagavam pelas cidades em busca de justiça e vingança pela falta de emprego, alimento e cidadania causando o desordenamento da rotina dos camponeses.
Um dos principais líderes do cangaço foi Lampião (Virgulino Ferreira da Silva), ex-capitão da Guarda Nacional.
O termo cangaço vem da palavra canga (peça de madeira usada para prender junta de bois a carro ou arado; jugo).
Trajes e cultura
A derrota militar jamais capou o brilho do cangaço.
Brilho de estrela em chapéu de couro, bem entendido, preservado na memória popular, setenta anos após o ocaso do movimento, com a morte de Corisco, em 1940.
Foi o historiador recifense Frederico Pernambucano de Mello que lançou uma obra para mostrar que grande parte do fascínio e da mística do cangaço, que fez dele um raro movimento de insurgência popular a não ser apagado pela história oficial brasileira, vem de sua estética e de sua linguagem.
Estrelas de Aço: A estética do cangaço (Escrituras Editora, 258 páginas, R$ 150, 2010) é livro de arte com mais de 300 fotos. A obra, que tem fotos inéditas, prefácio de Ariano Suassuna e ilustrações do arquiteto Antônio Montenegro, é resultado de 13 anos de pesquisa e 25 anos de estudo.
Historiador e advogado, Pernambucano de Mello foi procurador federal em Recife e, de 1972 a 87, integrou a equipe do sociólogo Gilberto Freyre na Fundação Joaquim Nabuco.
Especializou-se nos conflitos da história nordestina, em particular os levantes populares que não se sujeitavam aos valores coloniais, como os “guerreiros do sol”, como chama os cangaceiros.
Dono de um acervo com mais de 160 objetos do cangaço, Pernambucano de Mello pretende um dia criar um museu. Até lá, acredita que a vingança do cangaço à derrota militar está em sua estética, expressa em seu vestuário simbolizado pelo chapéu em meia-lua com estrela e na linguagem popular nordestina, que até hoje se instala na fala e na cultura da região.
A suntuosidade das roupas do cangaço fez Mello reiterar a análise antecipada por Língua em 2006, pelos pesquisadores Leandro Cardoso Fernandes e Antonio Amaury Corrêa de Araújo, segundo a qual a imponência da indumentária no cangaço só encontra paralelo na história dos conflitos humanos nas figuras do samurai japonês e do cavaleiro medieval europeu.
A riqueza de vestuário e linguagem forma, para o historiador, o traço arcaico do homem ligado ao místico e ao divino.
Para os cangaceiros, os elementos estéticos faziam com que ultrapassassem a sua condição, criavam uma blindagem alegórica que os descolava de seus crimes.
Sua indumentária cheia de adereços era versão das roupas de vaqueiros, adaptada ao meio e ao cenário. As abas do chapéu de couro permitiam visão lateral, o que evitava emboscadas.
Aberta na frente, a alpercata de rabicho protegia o pé de espinhos e do calor. Para carregar até 30 quilos de peso, o cangaceiro usava bornais na lateral, enquanto os “macacos” (soldados) eram obrigados a usar mochilas concentrando todo o peso nas costas, tirando seu ponto de equilíbrio.
A importância da palavra no cangaço integrava a imagem que os bandos queriam transmitir de si mesmos. Para Fernandes e Araújo, novos membros do bando ganhavam um “vulgo” (apelido) a que deviam honrar. Em caso de morte, quem o substituía herdava o vulgo, para perpetuar e imortalizar a reputação do cangaceiro.
Fonte: Revista Língua
Parte da obra
“Lembro-me do alvoroço quando se mostrou ao mundo, em 1994, o resultado da restauração dos afrescos de Miguelângelo na Capela Sistina. Em lugar de se ver confirmada uma pintura “séria”, quase tão tenebrista quanto a de Caravaggio, Ribera, Rembrandt ou La Tour, o que se viu foi algo tão cheio de tons róseos e azuis celestes, quanto uma criação de… Disney!
Exatamente o mesmo acontece agora – em âmbito nacional – ao se ver a noção que se tinha da aparência dos cangaceiros totalmente alterada pela revisão radical produzida pelo belíssimo “Estrelas de Couro – A Estética do Cangaço”, de Frederico Pernambucano de Mello, magnificamente editado pela Escrituras, de São Paulo.
O volume provocou tão justificado entusiasmo em Ariano Suassuna, que ele declarou, no seu prefácio, que se não fosse escritor e palhaço frustrado, “não seria outro, senão Estrelas de Couro o livro que gostaria de ter escrito”.