Líder dos Sem-Terra admite venda de lotes concedidos pela reforma agrária. Acampamento em São João da Aliança é o maior da América Latina
Uma reportagem do Fato On Line
Hugo Zaidan conta ainda que há acampados que têm moradia em centros urbanos e que cobra taxa de ocupação dos companheiros para custear advogado e engenheiro agrônomo para elaborar estudo de terras a serem invadidas
Quase duas horas após ocupar a fazenda Barreiros, a 50 km de Formosa, no estado de Goiás, como mostrou com exclusividade o Fato Online na primeira reportagem da série sobre invasões de terras, o líder do MSL (Movimento Social de Luta), Hugo Daniel Zaidan, aceitou conversar com a reportagem para explicar seus objetivos e motivações para invadir fazendas no interior do país.
Ex-discípulo de José Rainha, líder da FNL (Frente Nacional de Luta), movimento que deixou em dezembro de 2015, Zaidan fundou sua própria sigla para exigir a reforma agrária das autoridades. Foi sob o seu comando que centenas de sem-terras invadiram a sede do Incra no último dia 11 de janeiro, em Brasília.
De acordo com o baiano de 33 anos, o rompimento com o mentor se deu porque Rainha teria abandonado os “companheiros”. “A gente costuma dizer que nunca deixamos os companheiros para trás e, quando veio a ordem que eu tinha que largar os companheiros durante uma liminar de despejo para ir a São Paulo participar de uma reunião, eu fiquei me perguntando o que seria mais importante.”
Depois de criar sua própria bandeira, Hugo já administra 32 acampamentos no interior de São Paulo e, com a invasão da fazenda Barreiros, em Formosa, é responsável por nove acampamentos em Goiás. “Segundo o Incra, o acampamento Nelson Mandela, próximo a São João da Aliança (GO), é o maior da América Latina, com pouco mais de 1.400 famílias cadastradas”, ostenta.
O Fato Online apurou que muitas pessoas com domicílio em cidades como Brasília, Formosa e São João da Aliança estão participando do movimento dos sem-terras. Até servidores públicos participam. Alguns são proprietários de carros em ótimo estado.
Hugo tenta explicar essas contradições: “O sonho de uma terra é muito real em todos aqui, mas às vezes as dificuldades são grandes. Tem pessoas aqui com sete filhos, dois filhos, que não têm casa para alugar nem tem emprego, e o único lugar seguro que elas têm é o acampamento.” Ele afirma que a fiscalização sobre a renda do trabalhador é feita pelo Incra. Quem recebe acima de três salário mínimos não pode receber lote.
A estratégia do grupo comandando por Hugo é invadir, em sua maioria, propriedades devolutas, improdutivas e arrestadas pela União por lavagem de dinheiro e fraude. “Os proprietários desonestos que são os verdadeiros ladrões”, condena.
Apesar da pouca idade, Hugo já milita em movimentos sociais há quase 21 anos. Começou aos 13 anos, quando acompanhou a invasão de uma das maiores fazendas de sua região e “se apaixonou pela história” daquela gente simples, segundo ele. Ele começou no MST (Movimento dos Sem Terra) e depois seguiu José Rainha para a FNL.
Venda de lotes e taxa
Hugo admite que há muitos sem-terras que vendem suas terras concedidas pela reforma agrária. Mas ressalta que seria uma falha do Incra e não do movimento. “Quando um assentamento é criado, ele passa a ser da responsabilidade do Incra. Então, essa fiscalização de quem vende o lote é do Incra.”
Sobre a taxa cobrada de cada um dos acampados, Hugo justifica que tudo é revertido para manter a organização e a estrutura do acampamento. Segundo ele, o acampado que mora no acampamento contribui com R$ 15 e quem mora fora, na cidade, paga R$ 30. “Esse valor paga advogado, engenheiro agrônomo, alimentação, escola quando o prefeito nega recursos.”
Conheça abaixo um pouco mais o perfil do líder do MSL
Qual é o seu objetivo?
O maior objetivo é fazer a conquista dessas terras e colocar esses trabalhadores nos seus devidos locais e devolver suas terras de origem como se vem fazendo nos outros estados com os Quilombolas e os indígenas. Aqui é a mesma coisa, a mesma cultura de devolver a história desse Brasil em que cada um deve ter um pedaço de chão.
Como você começou seu envolvimento com a questão agrária?
Comecei lá na minha terra (Bahia), aos 13 anos de idade, onde eu via uma ocupação em uma das maiores fazendas da região e aí me apaixonei pela história e toquei a jornada. E aí a gente vai vendo o sofrimento das pessoas e passei por esse caminho afora até chegar aqui.
Você já esteve no Eldorado dos Carajás e no Pontal do Paranaparema?
Eu estive no estado do Pará depois do (ocorrido no) Eldorado dos Carajás e depois tivemos um contato com a freira Dorothy. Ali naquele exato momento a gente se conheceu e tivemos uma boa jornada junto com a Pastoral da Criança. Quando ela foi assassinada, eu estava ali pela região e, inclusive, naquela semana, a gente tinha tido uma grande conversa. Foi muito triste a situação.
Já o Pontal do Paranapanema, estivemos lá quando houve o massacre. Dali foram desapropriadas 35 fazendas, quando os fazendeiros se uniram. Naquela época, foi a maior história (do movimento) em São Paulo.
Quantos acampamentos você tem atualmente no estado São Paulo?
Estamos avançando com 32 acampamentos.
E no estado Goiás?
Com essa fazenda de hoje, chegamos a nove.
Dizem que os acampados precisam pagar uma taxa. De quanto é a taxa e para que ela serve?
O acampado que mora no acampamento contribui com R$ 15 e o acampado que não mora e que está aqui apenas no final de semana paga R$ 30. Esse valor paga toda essa estrutura e organização, que é advogado, a questão de alimentação quando a gente não tem.
A gente mantém a escola quando o prefeito (do município mais próximo ao acampamento) não quer bancar. A gente consegue ter aqui, graças a Deus, todo espaço de ajudar. Agora mesmo temos três companheiros que nós mandamos internar e isto é responsabilidade do acampamento, eles são alcoólatras.
Tem advogados e engenheiros agrônomos?
Temos e estamos finalizando estudo da terra nas áreas de São João da Aliança, na área de Alto Paraíso, e fazemos todo estudo por meio desta equipe técnica viabilizada por nós.
Teve algum problema com o José Rainha?
Quem foi um aluno dele como a maioria de nós somos, a gente costuma dizer que nunca deixamos os companheiros pra trás. Quando veio a ordem que eu tinha que largar os companheiros aqui durante uma liminar de despejo para ir para São Paulo participar de uma reunião, eu fiquei me perguntando o que seria mais importante.
Eu voltei a ligar para ele e a decisão dele foi uma só: de deixar os companheiros sós. Eu disse para ele que eu tomaria a decisão de não deixá-los e acabou que houve esse desfecho. Tive que ser bem claro com as famílias que nenhuma das áreas das sete áreas ficaria com ele. Todas as famílias ficaram revoltadas porque apostaram que ele estaria aqui até o último momento e, por isso, a gente rompeu essa aliança.
Temos informações de que existem muitas pessoas com domicílio em cidades como Brasília, Formosa, São João da Aliança e que, no entanto, estão participando do movimento sem terra. Existem servidores públicos e alguns integrantes até têm carros muito bons. A que você atribui esse perfil?
O sonho de ter um pedaço de chão é muito grande. Sou filho de evangélico, a minha mãe é missionária. Vivo a Bíblia que fala história da terra. O sonho de uma terra é muito real em todos aqui, mas às vezes as dificuldades são grandes. Tem pessoas aqui com sete filhos, dois filhos, que não têm casa para alugar nem tem emprego, e o único lugar seguro que elas têm é o acampamento.
E com o desemprego que vai acontecendo hoje vai ter muita mais gente morando no acampamento por causa dessa crise mundial que estamos vivendo.
Agora, a diferença no acampamento é que eu exijo que tem que plantar. Ela faz o cadastro do Incra e, dentro do perfil, é o Incra que classifica por ele ser um servidor público. A lei diz que recebendo mais de três salários mínimos não pode pegar uma terra. Se houve alguma mudança, (na renda) ele (o Incra) tem classificar isso para os acampados.
Algumas pessoas vendem o terreno?
Vendem e muito! E essa é uma falha do Incra e não do movimento. Quando um assentamento é criado, ele passa a ser da responsabilidade do Incra. Então, essa fiscalização de quem vende o lote é do Incra.
Fonte: Fato On Line
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