Povo Kalunga chega à universidade
Por Valmir Crispim Santos,
“Que a universidade se pinte de negro, que se pinte de mulato. Não só entre os alunos, mas também entre os professores. Que se pinte de operários e de camponeses, que se pinte de povo, porque a universidade não é patrimônio de ninguém, ela pertence ao povo”. Ernesto Che Guevara
Meses atrás em passagem por esse blog acompanhei a divulgação de uma fala da Presidenta Dilma Rousseff em que ela evidenciava a mudança de cor da Universidade Brasileira. Segundo a Presidenta “se hoje as universidades brasileiras começam a ter as cores de nosso povo, é porque temos a política de cotas, o PROUNI e o FIES”.
A universidade brasileira está chegando em todos os cantos do pais, incluindo negros, indígenas, enfim os tradicionalmente excluídos.
A verdade na fala da Presidenta que no momento estava ladeada pela jovem Kalunga Maria Helena Serafim e sua filha, pode ser constatada aqui na base, nas salas de aulas da Universidade Federal do Tocantins, Universidade Nacional de Brasília, Universidade Federal de Goiás e outras tantas espalhadas pelo Brasil.
Dois dias após a fala da Presidenta quando retornava de Monte Alegre de Goiás para Campos Belos em atividade de defesa agropecuária, fui parado por três jovens Kalunga que ansiosos pediam carona para não perderem a matrícula nos cursos de Matemática e Pedagogia da UFT – Campus Arraias.
A ansiedade não cabia no corpo enquanto o telefone não parava de tocar com os cumprimentos pela aprovação. Os jovens Kalunga estavam orgulhosos de seus feitos.
A chegada do povo Kalunga à Universidade não foi fruto do acaso, mas de políticas públicas sérias que possibilitaram a expansão da Universidade Pública e os incentivos para que os alunos possam permanecer na universidade.
Nos últimos tempos vimos acontecer projetos que através de diversas ações apresentaram a universidade aos quilombolas, além de lutar pela conquista de recursos para a permanência dos estudantes Kalunga no ensino superior.
Essa possibilidade experimentada pelos jovens Kalunga significará um novo olhar na luta pela terra e pelo território travada historicamente por eles na Chapada dos Veadeiros.
Vislumbramos um momento diferente na consecução de políticas públicas, nas práticas culturais, enfim na afirmação territorial.
O melhor desse momento é que a universidade mesmo que distante dos sonhos de alguns já é realidade para muitos.
São filhos que os pais, na casa dos 50 anos de idade ainda padecem pela condição de analfabetos, mas que sentem-se realizados em ver seus filhos cursando a universidade, algo que lhes foram historicamente negado. Esse escriba já presenciou por várias vezes o orgulho desses pais em dizer que seu filho estuda na UNB, algo até pouco tempo permitido apenas a uma pequena “casta de pele branca”.
Dentre os projetos e instituições acima citados rendo minhas homenagens ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo (GEPEC/UFT /Arraias), idealizado pelo saudoso Professor Claudomiro Godoy do Nascimento, que em função de seu falecimento foi liderado por vários Professores do Campus, dos quais eu destaco Kaled Suleimman, Raquel Alves de Carvalho, dentre outros.
A criação do Curso de Educação do Campo no Campus de UFT em Arraias em 2014, consolidou esse trabalho, e possibilitou a inúmeros Quilombolas o acesso à universidade e a formação de Professores com habilidades específicas para a Educação na modalidade Quilombola.
Rendo homenagens também a Associação Quilombo Kalunga e sua diretoria na pessoa do Presidente Vilmar Costa Souza (ele mesmo um egresso da LEDOC/UNB do curso de Educação do Campo), que colocou a educação como prioridade nas ações da associação.
Não menos importante é o papel exercido pela Escola Estadual Agrícola David de Aires França de Arraias (TO), que possibilita o acesso dos alunos quilombolas ao Ensino Básico, com formação em Técnico em Agropecuária. Além de concluir o Ensino Básico são preparados para exercer uma atividade profissional e seguir na Universidade.
O diferencial da Escola Agrícola de Arraias é funcionar em tempo integral com “internato” que possibilita ao aluno ter acesso a escola sem a necessidade da família abandonar o campo e mudar para a cidade. Esse diferencial tem mudado a vida de muitos quilombolas das regiões Sudeste do Tocantins e Nordeste de Goiás.
Finalizando registramos o trabalho do Professor Rogério Ribeiro Coelho para aumentar a quantidade de universitários oriundos das Comunidades Quilombolas de Goiás e Tocantins.
Meu reconhecimento a todos que colaboraram para que a universidade pública brasileira mudasse de cor (e concepção política). Excelente trabalho galera!!!
VALMIR “CRISPIM” SANTOS
Agente de Fiscalização Agropecuária
Campos Belos (GO)