Perdi a minha Helena, a minha Iaiá


Programa Zé Bettio, marcou era e nosso tempo
Peço licença aos meus digníssimos leitores para fazer uma homenagem pessoal e familiar à minha vozinha, falecida nesta semana.
Na realidade, na última terça-feira (2), um dos dias mais pesados e triste da minha vida.
Um dia intensa dor, de vazio, que só quem já perdeu um ente querido tão importante sabe descrever.
Helena Miranda dos Santos, que perdeu, quando casou, o sobre nome da importante família Souza Vila Real, tem parente espalhado em Campos Belos, Arraias, Combinado, Novo Alegre, São Domingos, Divinópolis, Brasília, Goiânia, dentre outras cidades.
Antes de falar dela, da minha vozinha, Iaiá Helena, tenho que voltar à Grécia antiga, à Grécia de Helena, de Helena de Tróia.
Na mitologia grega, Helena era filha de Zeus e de Leda, irmã gêmea da rainha Clitemnestra de Micenas, irmã de Castor e de Pólux e esposa do rei Menelau de Esparta.
Ela possuía a reputação de mulher mais bela do mundo.
Ainda menina, Helena foi raptada por Teseu, depois libertada e levada de volta para Esparta por seus irmãos. Para evitar uma disputa entre os muitos pretendentes, Tíndaro fez com que todos jurassem respeitar a escolha da filha.
Ela se casou com Menelau, rei de Esparta, irmão mais novo de Agamenon.
Após a morte de Menelau, diz ainda outra versão, Helena casou-se com Aquiles e viveu nas ilhas Afortunadas.
Helena de Tróia foi adorada como deusa da beleza em Terapne e diversos outros pontos do mundo grego. Sua lenda foi tomada como tema de grandes poetas da literatura ocidental, de Homero e Virgílio a Goethe e Giraudoux.
Foi de Helena, que surgiu o termo “período helenístico” (“viver como os gregos”), o período da história da Grécia e de parte do Oriente Médio compreendido entre a morte de Alexandre o Grande caracterizou-se pela difusão da civilização grega numa vasta área que se estendia do mar Mediterrâneo oriental à Ásia Central.
De modo geral, o helenismo foi a concretização de um ideal de Alexandre: o de levar e difundir a cultura grega aos territórios que conquistava. Foi neste período que as ciências particulares tiveram seu primeiro e grande desenvolvimento.
Tomei emprestado este conto histórico para falar da minha Avó Helena Miranda e para dimensionar o quanto as duas Helenas foram tão importantes.
A de Troia, para a civilização ocidental; a Miranda, para a nossa família, especialmente para este blogueiro.
Helena Miranda é a típica mulher brasileira dos anos 30.
Nasceu em 1933, numa fazenda em Campos Belos; aos 16 anos casou-se com um baiano, de Brejo Velho, o meu avô Otávio Santos.
E desde então mostrou sua maneira peculiar de ser, com seu imenso coração e o gigantismo na lide com o trabalho. Por opção, teve apenas uma filha, Maria Miranda.
Perdeu a mãe muito cedo e assumiu a responsabilidade de liderar e terminar de criar os irmãos; e não apenas criou e cuidou dos irmãos, mas de outros “filhos” que adotou, tamanho era o espaço do seu coração.
Era uma gigante no trabalho rural. De mulher de vaqueiro, após árduo trabalho, logo assumiu a posição de mulher de fazendeiro. E como trabalhou; e como labutou naquele Brasil da década de 50, 60 e 70.
Naquele Brasil sem energia elétrica; sem as facilidades do tempero pronto; do arroz e do feijão beneficiados; sem as facilidades da vida moderna.
A conheci assim, na labuta.
Aos 15 dias de nascido, levou-me para o seu mundo rural e desde então, por mais 40 anos, fui testemunha de seu labor; de seu cuidado com a família; de sua delicadeza e de sua firmeza de personalidade.
Era linda como Helena de Tróia.
Iaiá, como esquecer o franguinho caipira do fogão a lenha; o gosto do seu feijão; do cortado de maxixe; o café feito no coador de pano, o leite quente ordenhado da vaca; dos biscoitos de polvilho, das rosquinhas, pães de queijo, broas, bolos de fubá, o cuscuz, os doces em calda, as pescas, as caçadas de pequi e do timbó.
A sua vida simples e honesta moldou a personalidade deste blogueiro; da minha mãe, dos meus irmãos e dos filhos que escolheu para cuidar.
Parte dos seus 83 anos estão cravados para sempre em nossas memórias, em nossos corações.
Da sua casinha simples da roça, pintadas em azul celeste, decoradas com fuxicos, toalhas de crochê e colchas de retalho; os “dedo de prosa” para ouvir um “causo”, passar as horas na janela, sentar na soleira da porta, pitar um cigarro de palha ou o seu velho cachimbo, feito com fumo de rolo picado.
Como esquecer as palavras do rádio de Zé Betio; as cantigas, os pousos de folia; as fogueiras e festas de São João; as fornadas de bolo de arroz; o velho carretão; as parelhas de bois; as vaquinhas e seus nomes encantadores, lembra da Mourinha?; os banhos nos rios; o quará das roupas; como esquecer seus choros nas nossas despedidas; como esquecer seus sorrisos nas nossas chegadas.
Como foi difícil escolher as palavras para falar de você. Passei cinco dias escolhendo palavras, momentos e temeroso de que elas não fossem suficientes para falar de você.
Desculpe, só consegui extrair essas pobres linhas.
Obrigado minha Helena de Tróia. Obrigado Iaiá Helena, foi um privilégio dividir a vida com você.
Termos Iaiá e Ioiô
Entre os escravos que vinham da África e começavam a aprender o português, era comum que a palavra “senhora” fosse pronunciada como “sinhá” para se referir à esposa do dono da fazenda e “sinhazinha” ou “sinhozinho”, para referir-se às crianças brancas.
Para alguns africanos recém chegados, era difícil até mesmo falar “sinhá”, pois o dígrafo “nh” só é comum em português ou espanhol, quando é grafado como “ñ”. Por isso falava-se “iaiá” para as mulheres brancas e “ioiô” para os homens brancos.
A expressão ganhou ares românticos entre os escravos. Os homens negros referiam-se às suas esposas como “meu iaiá”, algo assim como hoje os homens se referem às suas esposas como “patroa”; e as mulheres negras referiam-se aos seus maridos como “meu ioiô”.