Uma expedição fotográfica em Terra Ronca (GO)

A caminhada é longa. Um pouco antes o fogão de lenha, panelas de pé, três pés… Pretas, escuras de fuligem e de almoços e jantas, encharcadas de vida. É somente por fora essa cor negra, da panela. 

Frango de pernas pretas cozidos ao molho de açafrão. Abobrinha, alfacinhas novas, macias, tomates. Toucinho no feijão e torresmo. 

Arroz branco, farofa na frigideira. Há gotículas condensadas d’água sob a tampa amassada de alumínio, que cobre o arroz, cuidadosamente areada. O alumínio reflete a luz fina que passa entre gretas da janela de madeira rústica. 

Acho que ipê, as janelas. A casa secular e suas colunas, vigas, tesouras de aroeira. Caibros, ripas de ipê amarelo, também. Ou roxo. 

Como hastes outros raios de sol passam entre telhas quebradas, ou deslocadas pelo pé d’água intenso, de som bonito, que caiu noite passada. 

Ainda há cheiro de terra no ar, no quintal, ao longe. Tudo, todo assim, vento úmido e calmo. Banquete. 



Água quase gelada do pote sob a talha com figura de São Jorge. Menino Jesus de Praga, mostra as chagas, a dor, a luta, dependurado na cruz e na parede. Nossa Senhora e outro santo que não sei o nome. No rabo do fogão café, o bule, xícaras esmaltadas azuis, descascadas no fundo e de lado, em pontos.

Mulinha baia, o castanho já velho, cansado, com o pelo liso esbranquiçado, olhar parado, baixo, triste… Gordos, sob a sombra da árvore, com cabrestos de sedém, amarrados os animais cochilam de pé… 


Uma sombra de galhos em balanços longos, leves, e folhas verdinhas e novas, que ao vento se movem alegrinhas. Arreio pantaneiro, outro de cabeça. Usados, velhos e puídos. Bacheiros suados no lombo. 

Arreio pelo lado esquerdo, um costume. Barrigueiras, com mais cuidado na burra, aos pares. Loros apertados em laço, barbicacho, freio, coxinilho marrom. Pronto, quase tudo. A tralha imensa, desajeitada, a ser equilibrada, sobre a mula. Sacolas amarelas aos pares dispostas. 

Cordas de espeleo semi-estáticas vermelhas, cadeirinhas, mosquetes. Chapeletas, stops e um simple, joists, fitas de todas as cores, suporte ventral, capacetes, cordas… Espeleologia. Lentes, dois corpos, flashes, tripés, disparadores, super leds… Fotografia. 

Sacos de dormir, fogareiros, cobertores térmicos, farmácia, miojo, bono… Uma tralha, quase uma montanha sobre a mulinha, indescritível, já montada.

Céu absolutamente azul do Planalto Central Brasileiro. O toró d’água da noite passada apagou tanta poeira, tanta fumaça, embelezou o que já era beleza… Como ?!? 


O primeiro colchete de arame farpado, duro, difícil como de costume… Menino pequeno não abre !!! Porteira velha, caída já fez sulco no chão, que está úmido da chuva. Moirão inclinado, quase caído, um batente. 

É preciso erguer para girar e abrir. A mulinha com casquinhos miúdos cuidadosamente aparados e recém ferrada, a primeira, com astúcia, contorna sem esbarrar em nada… 

Os burros. O Castanho com preguiça segue uma ruma de gente alegre. Uns falam, todos falam juntos, uns mais, outros mais ainda. Alegria-alegria caminhando a favor do vendo, que vai para oeste. 

São Vicente II a sudoeste. Nessa direção a Serra do Calcário, já está a vista ao longe. Avista-se ao longe, também, entre galhos e folhas das árvores, no azul do céu sertão de Goiás, nuvens esbeltas, alongadas como ondas, esparsas, de um definido, denso, mas bonito branco. Que contraste!… 

Cerrado leve, quase campo. Em seguida outras árvores de um cerradão, que se principia, com um verde intenso, forte. Fotos, outras mais, do céu, da trilha, de gente – os amigos de lá e daqui… uns só. 

Nesgas de mato cortado, renascendo. Aroeiras e ipês cortados, imensos, quase ao nível do chão marcam a devastação do passado recente. Agora, somente as que renasceram – ipês e aroeiras – verdinhas, com folhas que maceradas cheiram manga verde. 

A macega de cipó, árvores, coivaras dificulta os animais. O castanho serpenteia, a mulinha serpenteia, todos contornam se entranhando, se amarrando aqui, ali na teia de cipós. 
Arranha gato, juá, espinho de macaúba nova!!!… Com os macacões vermelhos de espeleo, todos vestidos, ajustados, seguem… Protegem dos cortes, arranhões, furos. Calor, suor e alegria!… Muito calor!!! Mais atrás os vídeos, as fotos, histórias contadas, vividas, os planos de logo mais.

A mata, os embiruçus, os pau-d’arco roxos, amarelos. Cedros, aroeiras novinhas muitas-muitas, sobre a Serra do Calcário. Um jabuti lento, claro, solitário. Rolinhas Fogo Pagô, Gaviões e urubus aproveitam o céu e suas térmicas, planam vagarosamente. 

Macacos, pedras e seus cocos quebrados, como se fossem gente. Perobas, guatambus, embiruçus, paineiras lindas e imensas, indescritíveis. Mais fotos. Agora longe já estamos dos primeiros, que seguem com a mulinha baia e o castanho velho. 

Com o rádio pede-se que esperem na subida do mirante. Mais quase hora, para aqui, para ali… Atalhos, subidas, macegas, mais arranha gato, uma dor… Todos juntos, enfim: mula, castanho, tralha e alegria-alegria-alegria.

A subida é pedregosa. Linda pra ver, observar, sentir… O calor intenso, ar parado, bruma quente, quase sem vento. 


O céu azul com seu horizonte sem fim é o mar do Sertão de Goiás. Nem tem como embelezar o que já é beleza!!!… Desisto das fotos. Apeia-se da montaria, cavaleiros… Impossível, agora!!! Só a pé puxando os animais em fila, todos. 

Quase a pique, os blocos de calcário são contornados. Um ligeiro platô sob uma reunião de embiruçus e alguns pau-d’arco, esses frondosos. Água, sentados nos troncos caídos, ou cortados, assentos improvisados… 

Fim de linha para os animais. Nem com a mula é possível seguir. Imensa tralha sobre as costas, braços, mãos… Todos saem e metros adiante, algumas dezenas, acho o MIRANTE. 

A imensa dolina e sua mata sempre verde e densa, abaixo, à frente, por todos os lados se espalha. Os paredões, escuros e claros na ressurgência de São Vicente I à frente, imponente. 

Do mirante vê-se que as Araras Azuis se agitam e já taramelam ao longe, indo-se. Maritacas maracanãs e as andorinhas tesoura parece que estranham o movimento. Gaviões e urubus, lentos no ar, nos seguem. Vê-se São Vicente II – UM SANTUÁRIO.

A descida é lenta, cuidadosa, quase que vertical e em escada. Pés, mãos, rochas… O inverso da escalada. Alegria-Alegria-Alegria. Nunca rimos tanto !!!…


UMA EXPEDIÇÃO FOTOGRÁFICA em TERRA RONCA… GOIÁS — Brasil.
No Lombo de Cavalo e Mula, no Vale do Couro D’anta, na Trilha Para a Lapa de São Vicente II.
São Domingos, Goiás, Brasil.
Foto: José Humberto M. de Paula. 2011.

Photographic Gear on The Back of Horse and Mule at The Trail to São Vicente II
Cave. County of São Domingos, Goiás State, Brazil., Brazil.
Photo: José Humberto M. de Paula. 2011.

José Humberto M. de Paula.
Julho de 2018.

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